Fabio PORCHAT reclama que o humor no Brasil virou apenas lacração da esquerda.
Fábio Porchat está em todas as telas ao mesmo tempo. Ele está na televisão, nos canais de YouTube e em milhares de vídeos nas redes. Sua vida caótica é atormentada pelo Vasco da Gama, o time do coração, que virou tema de suas piadas mais recentes postadas na internet.
“O sofrimento não pode parar”, diz ele, numa entrevista por telefone, fazendo troça com a canção “O Sentimento Não Pode Parar”, entoada nos estádios pela torcida cruzmaltina.
O humor pode estar em qualquer assunto, sendo até avivado pela autoderrisão, como no caso do Vasco, eliminado pelo Nova Iguaçu no Cariocão. Porchat afirma que o frenesi da agenda, quase toda vinculada ao audiovisual, o impede de ter um contato mais próximo com o público.
Por isso, ele volta agora ao teatro, abrindo, nesta terça-feira, a 32ª edição do Festival de Curitiba, com a peça “Agora É que São Elas”, encenada por Maria Clara Gueiros, Júlia Rabello e Priscila Castello Branco. Porchat volta aonde tudo começou em sua carreira.
Há duas décadas, ele era mais um jovem sonhador, que frequentava os cursos da Casa das Artes de Laranjeiras, na zona sul carioca. Ali, ele encontrou os amigos Marcus Majella e Paulo Gustavo, morto há dois anos. Juntos, eles esboçavam a mudança que fariam no humor brasileiro, criando esquetes na cantina da escola, entre uma aula e outra. “Agora É que São Elas”, texto escrito por Porchat, justapõe dez esquetes —quatro deles são da época da CAL.
Foi um processo de pesquisa e triagem. No acervo, o comediante tem mais de 40 textos concebidos de quando ainda era estudante e passava as madrugadas escrevendo.
Em sua nova peça, ele reavivou, por exemplo, a história de dois amigos, um deles muito otimista —embora tudo dê errado em sua vida. O rapaz perde um braço num ataque de tubarão e tem a casa incendiada, mas ainda acredita que tudo está bem. Em outro esquete, o autor aborda a dificuldade de se gravar todos os números no mundo atual, entre o Pix e o número do cartão.
Como se percebe, as histórias não foram escritas pensando em um elenco formado só por mulheres. De todo modo, o autor afirma que ter um trio de atrizes em cena é importante, dado que o protagonismo feminino na comédia sempre foi apagado. Entre uma situação e outra, elas têm liberdade para conversar entre si, num exercício de improviso.
Porchat não olha apenas para a sua história. A nova obra se relaciona com a tradição do humor, estabelecida nos anos 1970 nos teatros do Rio de Janeiro. Foram em esquetes, encenados por duplas de atores, que surgiram talentos como Miguel Falabella e Pedro Cardoso. O autor busca provocar o riso, recuperando um estilo que se perdeu no tempo.
“Existe uma crise de humor no mundo. É evidente que houve avanços sociais, mas as pessoas estão com receio de tocar em determinados assuntos, quando é possível falar sobre todos os assuntos, dependendo do olhar”, afirma o autor. “Os comediantes estão acuados, hoje só há espaço para o humor escatológico, e não tenho nada contra esse tipo de trabalho, e a ‘lacromédia’, de uma esquerda progressista e tuiteira, que não tem graça nenhuma.”
De fato, a comédia no mundo é condicionada pelos temas identitários, tais como a luta contra a gordofobia e o machismo. Só que, no Brasil, os humoristas enfrentam os efeitos das mudanças comportamentais na própria produção de comédia.
As acusações de assédio sexual contra Marcius Melhem, que vieram à tona há quatro anos, criaram um mal-estar no ambiente humorístico do país. A própria TV Globo só está retomando o núcleo de humor agora.
“São movimentações naturais das crises. As crises existem para que depois nos organizemos de uma outra maneira”, diz Gueiros, que integrava o departamento de humor da emissora à época.
Para os comediantes, a crise na comunicação é outro desafio. Nunca se riu e se fez rir em tantas plataformas —e empregos— diferentes. Se humor é ritmo, tudo está por demais acelerado. Os vídeos no YouTube não competem nem com suas edições.
“Agora estamos em muitos canais, num mundo fragmentado, mas é importante que também estejamos em espaços tradicionais”, afirma Rabello. Também em parceria com Porchat, ela é uma das fundadoras do Porta dos Fundos. Rabello afirma que o canal mudou a forma de se fazer humor no Brasil, porque antes o YouTube era ainda um espaço amador.
Nesse contexto, o teatro sempre aparece como um lugar de superação de crises, de autoconhecimento das origens artísticas e de reencontro com o público. “A gente sentia saudade do teatro, e o Fábio é uma máquina de escrever. Eu aprendo muito com ele, porque vejo o quanto ele foi corajoso no início da carreira”, diz Castello Branco, atual namorada do comediante. É também uma aposta corajosa abrir um dos festivais mais tradicionais de artes cênicas do país com uma comédia de esquetes, que seguirá uma temporada no Rio de Janeiro.
Como de hábito, o Festival de Curitiba reúne na capital paranaense as peças mais bem-sucedidas da última safra teatral. Em sua 32ª edição, a mostra apresenta “Traidor”, de Gerald Thomas, com Marco Nanini, e “Macacos”, de Clayton Nascimento, além de dialogar com a dança, no caso de “Sagração”, de Deborah Colker.
A mostra esboça uma abrangência nacional, trazendo peças de estados como o Amazonas, mas suas novidades ainda dialogam, sobretudo, com a plateia curitibana. Afinal, os destaques vêm do eixo Rio-São Paulo.
No que restringe à agenda de Porchat, ele será conciliada com a estreia em abril do filme“Evidências do Amor”, em que contracena com Sandy, e o programa “Que História É Essa, Porchat?”, fenômeno do canal GNT.
Em todos os meios, seu desejo é de que o humor seja mais valorizado. “Nós comediantes somos vistos como segunda linha, por isso é muito importante abrirmos o Festival de Curitiba. É o humor que lota os teatros.”