Muita confusão
Em comunicado, a Netflix confirmou as demissões afirmando que foram motivadas principalmente por questões financeiras, e não por desempenho.
“Conforme explicamos sobre os lucros, nosso crescimento de receita mais lento significa que também estamos tendo que diminuir nosso crescimento de custos como empresa”, disse um representante da companhia ao site The Verge.
“Infelizmente, estamos demitindo cerca de 150 funcionários hoje, a maioria dos EUA. Essas mudanças são impulsionadas principalmente pelas necessidades de negócios e não pelo desempenho individual. Estamos trabalhando duro para apoiá-los nessa transição muito difícil”, finalizou.
A demissão em massa é apenas o mais recente capítulo da crise que parece se espalhar pelos corredores da empresa desde o anúncio da queda de assinantes. Confusões entre executivos e novas políticas de contratação também vieram à tona nas últimas semanas.
Queda de assinantes e redução de gastos
Até o momento, 2022 não tem sido generoso com a Netflix. Além das demissões no quadro de funcionários, a companhia amargou sua primeira queda no número de assinantes em dez anos, e o cenário para o futuro parece não ajudar.
A empresa espera perder mais 2 milhões de assinantes no segundo trimestre. O encerramento dos serviços na Rússia, após a invasão da Ucrânia, contribui para o resultado. A Netflix teve um trimestre discreto com número menor de sucessos em Hollywood lançados na plataforma, o que também não colaborou.
Spencer Neumann, diretor financeiro da Netflix, disse durante a divulgação de resultados do último trimestre que a redução de gastos deve continuar pelos próximos dois anos.
Confusão entre executivos e “Insatiable Gate”
A queda de assinantes também expôs uma crise nos bastidores da gigante do streaming. A confusão entre executivos sobre a seleção de conteúdo que vai ar pode ser resumida no que a imprensa americana chamou de “Insatiable Gate”. Lançada em 2018, a série “Insatiable” teria sido o estopim para instabilidade nas relações entre os grandes diretores da companhia.
Segundo fontes ouvidas pelo site The Hollywood Reporter, a aprovação para produção do seriado envolveu dois nomes de peso no quadro de executivos: Cindy Holland e Bela Bajaria. Ambas eram responsáveis por tocar as análises de novas séries.
“Insatiable” foi recusada pela The CW (TV aberta americana) devido ao conteúdo da série —uma adolescente que sofria bullying por estar acima do peso. A comédia foi oferecida à Netflix, mas a equipe de Holland rejeitou. Posteriormente, Bajaria deu aval para produção de 13 episódios da primeira temporada da série.
A decisão abriu precedente para produção em massa de séries com conteúdo questionável, segundo funcionários da Netflix ouvidos pelo THR. “Começou um processo de aprovar séries baratas, sem apelo e de qualidade baixa”, disse uma fonte que não quis se identificar.
Apesar do grande número de críticas negativas, a audiência da série foi boa o suficiente para a segunda temporada ser produzida. A estratégia de priorizar a quantidade ao invés da qualidade liderada por Bajaria e pela alta cúpula da empresa criou um ambiente desfavorável à Holland, que saiu da companhia em 2020.
Vale lembrar que Holland foi produtora de alguns dos principais sucessos do início da expansão internacional da Netflix, como “House of Cards”, “Orange is the New Black” e “Stranger Things“.
A queda de braço entre sua visão —menos quantidade, mais qualidade— e a de Bajaria —mais quantidade, menos qualidade— teria levado muitos criadores de conteúdo a desistir de trabalhar com a Netflix, gerando também insatisfação entre os funcionários da empresa.
Nova política
O cenário confuso da Netflix ganhou novo contorno com a mudança na política da empresa sobre a satisfação dos funcionários e o conteúdo que ela produz.
Resumidamente, a empresa determinou a seus colaboradores, em um documento interno, que em caso de insatisfação com o conteúdo que está sendo produzido, a melhor saída é pedir demissão.
A novidade foi inserida em um novo documento sobre “expressão artística” na primeira atualização das diretrizes de cultura corporativa da empresa desde 2017. Segundo a Netflix, a mudança vinha sendo avaliada ao longo dos últimos 18 meses.
“Embora cada título seja diferente, nós os abordamos com base no mesmo conjunto de princípios: apoiamos a expressão artística dos criadores com quem escolhemos trabalhar; programamos para diversos públicos e gostos; e permitimos que os espectadores decidam o que é apropriado para eles, em vez de a Netflix censurar artistas ou vozes específicas”, diz o documento.
“Se você achar difícil oferecer suporte à nossa amplitude de conteúdo, a Netflix pode não ser o melhor lugar para você”, conclui o trecho, que também gerou polêmica nas redes e entre funcionários, segundo o jornal WSJ.