“Eu sempre levava pequenos cadernos de notas e um lápis, e me punha a escrever. Alguns de meus amigos podiam ler meus lábios – porque estávamos sempre juntos -, mas não sempre. Às vezes, não podia participar de conversas.”
Ela também usava as mãos e fazia sinais para se expressar, “mas na maioria das vezes tinha de escrever o que queria dizer.”
Ela diz que não tinha ajuda no colégio, pelo contrário.
“Eu ia a um colégio católico e uma freira, ao saber que não havia uma razão física que me impedisse de falar, disse que Deus estava me castigando e havia me deixado sem voz.”
“(Meus colegas) começaram a acreditar no que diziam, que eu estava sendo castigada e tinha de confessar meus pecados para recuperar minha voz. Eu me negava porque não tinha nada a confessar.”
Marie diz que começou a questionar a si mesma. “No mundo em que crescemos, o padre, as freiras, os médicos tinham sempre razão. Não eram postos em dúvida.”
“As meninas costumavam me chamar de mulher do diabo e outras piadas desse tipo, mas com o tempo deixou de ser uma piada. Era grave, extremo.”
“Como me neguei a confessar pecados, não me deixavam entrar na igreja e ir para a missa que frequentávamos todas as sextas, então tinha de ficar do lado de fora.”
“Nesse momento, comecei a acreditar neles e a pensar que era diabólica, que pertencia ao diabo, que Cristo não queria olhar para mim, que não era parte da cristandade, que era uma bruxa.”
Fora da escola, vizinhos diziam que ela havia enlouquecido, e um amigo de sua mãe sugeriu que ela fosse abandonada “porque não se sabe o que pessoas como ela podem fazer”.
Hospital psiquiátrico
Dois anos depois de ter perdido a voz, Marie se sentia isolada, frustrada e cheia de dúvidas.
As coisas se complicaram tanto que ela tentou se matar aos 14 anos. Acabou em um hospital e, quando se recuperou, foi transferida para um hospital psiquiátrico.
“Isso foi um inferno, um pesadelo. Havia drogados, pessoas com crises nervosas, uma mulher que imagino ter sofrido abusos… Eu era a mais jovem e era muito influenciável.”
Também se lembra da falta de intimidade e das terapias com choques elétricos. Ela escutava os pacientes gritando e chegou a fazer uma sessão. “Era como uma câmera de tortura. Muito cruel.”
Marie fugiu e foi à casa de um amigo. Ela pode voltar a sua casa, mas a relação com os pais estava danificada. Tinha medo de todo mundo ao redor, “não queria ver ninguém, a pouca confiança que tinha nas pessoas desapareceu no hospital psiquiátrico”, lembra.
Ela então se isolou por seis meses. Marie não acreditava que voltaria a recuperar a voz e começou, pouco a pouco, a reconstruir sua vida.